A década que termina neste ano marcará, sem sombra de dúvida, o fim também de paradigmas diversos, o maior dos quais o mito do PIB como índice de desenvolvimento de países, regiões e do planeta como um todo. O Fundo Monetário Internacional, consórcio de grandes economias para “ajudar” subdesenvolvidos, não terá saída senão parar de estancar as economias pobres emprestando dinheiro em condições insultuosas.
Décadas atrás, o francês que foi diretor geral do FMI de 1987 a 2000, chamado Michel Camdessus, se despediu do cargo com o alerta de que o fundo teria de mudar seus procedimentos para acompanhar a roda da história. Já tinha escandalizado seus comandados levando para uma reunião formal o roqueiro Bono Vox, dono de potente discurso renovador e libertário.
Para os que não conhecem a história do líder do U2, ele nasceu de família pobre irlandesa, o que equivale quase a ser pobre em qualquer lugar do terceiro mundo, nome pelo qual eram referidos os países subdesenvolvidos desde o Grupo dos 77 mais pobres do mundo, entre eles a pátria amada de Bolsonaro. Pois Bono Vox falou no Fundo Monetário Internacional reverberando as palavras de Camdessus, francês e tão vilão quanto qualquer que ocupasse aquela cadeira.
Não foi à toa e nem por acaso que o governo popular de Lula pagou a dívida com o FMI e livrou o país das visitas sazonais das equipes de economistas estrangeiros que vinham dizer o quanto tínhamos que apertar o cinto para pagar os juros internacionais, que estatais privatizar, que commodities vender no mercado internacional, e a que preço.
O golpe sobre Dilma Rousseff foi dado para restabelecer a realidade do tempo de Fernando Henrique Cardoso, o “príncipe da privataria” conhecido no Brasil e no exterior. Paulo Guedes está aí para isso. Bolsonaro é um ator de terceira classe contratado para um papel que lhe cai perfeitamente, mas isso é detalhe enquanto a economia do país puder ser destruída na velocidade atual.
O Brasil é um país colonizado na cultura, na televisão, na imprensa, nas escolas. É um país sem saída, tudo cheira ao imperialismo americano e ao grande capital internacional, tudo obedece aos parâmetros e aos ditames dos senhores.
Até italiano e francês, que não mandam mais no mundo, são mandatários no Brasil. Somos um país colonizado culturalmente, não temos identidade, não se conhece moleque Saci, Cuca, Jeca Tatu, Peri e Ceci, Bentinho e Escobar, Jubiabá, Diadorim. Terra arrasada que comemora Halloween e adora cartoons e seriados cheios de tiros e mortes. Uma gente que faz continência à bandeira de outro país e comemora o dia da independência dele, não a sua própria.
Então, retornando no raciocínio um pouquinho, nossa única esperança é a mudança que haverá de vir depois da pandemia do coronavírus, quando o que sobrar do império norte-americano tiver de se submeter a uma nova ordem, princípios que respeitem a natureza para que não haja novos vírus e a vida seja preservada. Os ricos não aceitarão, já criaram seus nichos na Nova Zelândia e em lugares nobres conhecidos, lutarão contra os direitos de todos.
Mas eles são menos de dez por cento da população mundial e não conseguirão se impor à multidão faminta engrossada pela classe média falida e por pobres ascendentes da década passada, em todo o mundo. Não haverá acordo nem armas para conter a roda da história, como tampouco houve para impedir que um vírus oportunista se espalhasse pelo mundo nivelando os seres humanos na morte. Mais uma vez, diga-se.