Há cerca de 01 ano, começava uns dos mais desafiadores projetos profissionais da minha vida: dirigir o Teatro Popular Oscar Niemeyer. Após passar pelo Ministério da Cultura entre 2015 e 2016, na gestão do Ministro Juca Ferreira – fomos abatidos em pleno voo pelo golpe jurídico-midiático-parlamentar ainda em curso. Me refazendo deste golpe, que além do plano da política atingiu também a minha vida pessoal, voltei de Brasília. Em janeiro de 2017, fui convidado a assumir a direção deste belíssimo equipamento cultural da Prefeitura de Niterói. A oportunidade não poderia ter vindo em melhor momento. Retornei a cidade onde nasci e cresci, para desenvolver um projeto com base territorial, ajudando a consolidar a vocação e a identidade de um espaço privilegiado que congrega arquitetura cênica, espaço público e paisagem deslumbrante.
A conjuntura local ajuda. Niterói tem uma política cultural sólida, construída ao longo de décadas por governos e sociedade civil, com um Sistema Municipal de Cultura consolidado, uma rede de equipamentos culturais que conta com teatros, museus, galerias e centros culturais, uma universidade que se distribui territorialmente na cidade e cumpre importante papel cultural nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. A atual gestão municipal tem uma visão estratégica da cultura, como um dos pilares do desenvolvimento e instrumento de transformação social. Em um cenário de terra arrasada como o que vivemos nas políticas culturais do país, é um quadro absolutamente fora da curva. E aumenta a nossa responsabilidade, inclusive no sentido de gerar oportunidades para artistas e produtores culturais do estado e do país.
Aprendi com o Amir Haddad, meu mestre no Teatro e na vida, quando a gente chegava em algum lugar para fazer uma apresentação de teatro de rua, a primeira coisa a fazer era olhar para o espaço público, a rua, a praça, e observar atentamente. Antes de imaginar ou projetar alguma ideia, era preciso deixar que o espaço se revelasse. Então a primeira coisa que fizemos ao chegar no Teatro Popular foi deixar que o próprio espaço nos informasse a respeito do que deveria ser feito: a arquitetura, com sua magnitude, possibilidades e dificuldades, a localização, ao mesmo tempo difícil e privilegiada. Quem é o público para este Teatro? Que tipo de artista, de espetáculo, de programação? Como se relacionar com o tecido vivo da cidade e do entorno? A partir destas perguntas iniciais, fomos em um processo de tentativa e erro, tentando encaixar uma proposta, uma política, um programa de atividades.
No projeto original de Niemeyer para o Teatro Popular, não foi prevista a construção de uma bilheteria. A que tem lá é uma espécie de puxadinho, meio improvisada. Casualidade? Esquecimento? Talvez não! O arquiteto comunista queria um teatro público realmente aberto para o povo, voltado para a formação de plateias, para a democratização da cultura. Não fizemos pouco caso do “esquecimento” de Niemeyer: Em um ano, foram 106 eventos gratuitos, em 181 dias abertos ao público, e apenas 45 espetáculos com bilheteria, sempre a preços populares. Mais de 40 mil pessoas assistiram e participaram destas atividades, entre abril e dezembro de 2017. Teatro, música, poesia, debates, eventos, festivais, oficinas, residências artísticas. Dos mais variados estilos, cores, credos, linguagens e dimensões.
Como atrair o público? Algumas vezes quebramos a cabeça (e a cara), tentando responder a essa pergunta. Até entendermos que cada espetáculo ou evento tem um tamanho de público diferente, e que é preciso ajustar a dimensão desta expectativa de acordo com a natureza de cada atividade. Desta forma, já em 2018, fizemos uma programação de verão, abrindo as portas do Teatro em um período pouco usual, onde a maioria dos equipamentos culturais fecha as portas, e tivemos um grande sucesso. Duas mil pessoas no ensaio pré-carnavalesco da Sinfônica Ambulante, 10 mil no Samba Social Clube com Zeca Pagodinho, as 450 cadeiras do teatro lotadas nas sessões do infantil Patrulha Canina (este fim de semana) e no infanto-juvenil Família Addams (este com 2 sessões lotadas em noites de segunda e terça-feira, com entrada franca). Tivemos os alternativos também, Reator (espetáculo do RS), e o Mundo Grampeado com direção de Marcus Galiña. Nestes optamos por reduzir a plateia colocando o público no palco, oferecendo uma outra experiência para os espectadores. 80 cadeiras no palco, todas ocupadas.
Sabemos que ainda falta muito para consolidar e estruturar um projeto que tenha permanência e continuidade, independente de nossa continuidade à frente da direção do espaço. Sem esse olhar estratégico e de longo prazo, não se constrói uma boa gestão de um equipamento cultural. A atividade de um teatro com tais características precisa ser atravessada de forma transversal por políticas públicas de educação, segurança, mobilidade, acesso, voltadas para a juventude, os direitos humanos, a diversidade e a democratização dos espaços públicos. 2018 já está aí, no momento o Teatro encontra-se em reformas e manutenções necessárias, e em abril retornamos com todo o gás,construindo um teatro público, popular, inspirado pelas curvas geniais de seu arquiteto, pulsando na batida do coração da cidade!