Depois de pregar a ditadura no domingo em frente ao QG do Exército, Bolsonaro repreendeu com severidade um apoiador da claque na porta do Palácio da Alvorada depois do café da manhã de ontem, 20. O presidente tentava acalmar os ânimos militares, exaltados por sua fala da véspera. Defendia democracia e liberdade e parecia um “Bolsonaro paz e amor” quando o homem ergueu a voz para pedir o fechamento do Congresso, crente que estava abafando:
“Esquece essa conversa de fechar. Aqui não tem fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia”, irritou-se o presidente, para decepção do apoiador anônimo, que ficou sem entender. Será que o sujeito de domingo era outro? Será que durante a noite Bolsonaro virou casaca? Pensando bem, ele estava de camisa vermelha na manifestação pró-ditadura.
O que o desiludido bolsonarista não sabe é que a política, assim como o coração, tem razões que a própria razão desconhece. O próprio presidente está aprendendo esta máxima com muita dificuldade e lentidão. Generais ao seu redor ficaram de fato alarmados com a desfaçatez de domingo, mas não porque comungam dos mais sinceros ideais democráticos, e sim porque não é hora de falar essas coisas. Que coisas? Ora, de corda em casa de enforcado, por exemplo.
Das poucas palavras ditas por um militar a propósito do episódio, as mais emblemáticas foram as do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, que soltou uma nota que não explica coisa alguma e tergiversa quando poderia ter repudiado pelo menos a interpretação golpista dada ao discurso de Bolsonaro.
Disse, por exemplo, que “nenhum país” estava preparado para a pandemia e que isso requer adaptação das Forças Armadas para combater um inimigo comum a todos: “O coronavírus e suas consequências sociais”. É o óbvio ululante de Nelson Rodrigues. Mais adiante: “As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal. O momento que se apresenta exige entendimento e esforço de todos os brasileiros”. Entendeu?
Jair Bolsonaro foi eleito com apoio explícito dos militares, em especial do Exército. O general Eduardo Vilas-Boas o abençoou e ele agradeceu em discurso depois de eleito, tudo às claras. O candidato em campanha visitou quantos quartéis de quantas forças quis, anunciou chegada a hora dos “capitães mandarem”, e coisas piores. Pregou o assassinato de petistas, mencionou torturadores e locais de execução dos adversários da ditadura, como a “ponta da praia”, com a intimidade de um algoz.
Não, general Azevedo, o presidente que vocês puseram no Planalto não é defensor da Constituição, como tampouco o são as forças armadas sempre dispostas ao golpe e a ditar os rumos do Brasil. O senhor sabe quem autoriza manifestações públicas em volta de instalações militares. Ninguém ali é chegado ao debate plural, democrático, aberto. Sejamos francos, vocês estão apenas à espera do momento propício para a intervenção “para salvaguardar as instituições e o povo brasileiro ameaçado pelo caos”. Ou pelo comunismo, ou pela pandemia que nenhum país previu…