Direto da Redação. Um sociólogo, poeta e sambista trabalhando como colunista e correspondente da ANF na Marquês de Sapucai, Carnaval 2014.
Depois de dezoito anos vivendo nos EUA como o primeiro exilado político do pós-democracia brasileira, estou tendo a oportunidade de ser “um estrangeiro” em minha própria cidade. Uma experiência humanamente estranha. O espetacular não me deslumbra mais porque vejo uma paz em nossa cidade que não contempla a dignidade dos excluídos. O belo assombra-me, desdenha de mim. O feio e o desprezivel me encantam porque faz com que o poeta que há em mim possa sentir a dor dos que não falam. Sinto o cheiro da vala aberta nas vielas das favelas. Os fogos que anunciam o desfile das Escolas de Samba doem em meus tímpanos como se fossem os fogos dos fogueteiros que anunciam a chegada da violenta Policia Militar nas favelas. A água filtrada e super gelada que a CEDAE serve na Avenida deveria ser a mesma que poderia matar a sede de milhares de operarios nos morros do Rio.
Estranho tudo isso? Como sentir algo tão doloroso no meio da maior festa brasileira? Pensei que iria em meu retorno sentir um desprezo pelo o que não está certo, pois quem teve a oportunidade de viver numa das mais belas, rica e organizada cidade americana —- a cidade de Boston —-, eu tinha todos os motivos para “olhar só para o meu umbigo”. Por quê não consigo?