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 Bati um papo bem informal com a Yzadora Monteiro, uma das criadoras da página “Rio invisível”, que tem milhares de seguidores no Facebook e comovem pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo. Falar de pessoas invisíveis é algo muito relativo, porque na verdade elas existem e escancaradas nos nossos olhos, mas as vezes fingimos que não vemos. O “Rio invisivel” veio com o objetivo de abrir os nossos olhos e mostrar que a desigualdade social ainda é muito grande e que é possível uma mudança. Mesmo que seja em doses “homeopáticas” – mas que o aprendizado com essas pessoas ditas como “invisíveis” é algo que nos ajuda a crescer muito. Isso ficou bem claro para mim,depois de conversar com a Yza (conheço a Yzadora quando ela tinha um blog e desde muito tempo escrevia maravilhosamente bem). Vamos aprender com essa pessoa maravilhosa, que faz um trabalho de alto nível, acalantando os corações de muita gente.

Yza, com surgiu a ideia do “Rio invisível” e como chegaram a ter tantos seguidores? Houve um processo de divulgação dos idealizadores?

O Rio Invisível surgiu a partir do São Paulo Invisível. Logo no comecinho da página de lá, nós entramos em contato com os idealizadores e propomos fazer uma no Rio também – achamos que seria interessante pela similaridade de ser uma metrópole igualmente grande. Mas, com o tempo, vimos que existiam muitas diferenças no porque das pessoas estarem na rua, os perfis e como viviam. Acho que isso cria um diálogo bacana não só com a página de SP, mas de outras cidades também. Nos ajuda a entender melhor, nos dá material para reflexão. Claro que ter pessoas em situação de rua é um problema social, e só conhecendo melhor esse universo podemos pensar em soluções mais eficazes.

Acredito que o boom da página se deu mais porque era algo que estava faltando, uma lacuna a ser preenchida no discurso da urbe. Essas pessoas que entrevistamos sempre tiveram suas versões contadas por terceiros, adjetivadas de tantas coisas. Agora, não é mais “o mendigo”, é o Paulo, Fabiano, Valéria… As pessoas tem nome, idade, passado, presente, sonhos…

Não divulgamos, mandamos pra meia dúzia de amigos e deixamos lá. Depois de 7 posts, agradecemos as mil curtidas. Isso era no fim de uma seman. Depois, chegamos a 5000 … E foi crescendo muito rápido .

Sim, o projeto começou em São Paulo. Parabéns pela atitude de expandir tudo isso. E por falar em “Fabiano, Valéria…” E tantos outras pessoas que vocês entrevistaram, como foi o processo de escolha? Vocês foram pra rua com o objetivo de criar matérias? Aconteceram algumas coisas desagradáveis? Como foi esse processo? Houve alguma agressão por parte de algum entrevistado?

O que a gente queria mesmo era conhecer essa galera que vive na rua, que tem um espaço urbano não como um lugar de passagem, mas seu ponto de partida e destino. Foi difícil começar, porque, para nós, também existia essa barreira invisível, toda cheia de ideias incrustadas. Fiquei uma semana andando com a máquina fotográfica na bolsa, sem saber como começar. Eu sempre via um mesmo homem no caminho do ponto para o trabalho, aí coloquei na minha cabeça “vou fazer com ele assim que o vir”.Vi, mas demorou um tempo pra conseguir de fato falar “oi”. Depois da primeira palavra, todas as outras vem. Se você reparar, a primeira postagem é bem  diferente das outras… Estávamos nos “desroupando” (acho que essa palavra não existe, rs) de alguns conceitos sociais também.

O que percebemos é que, naquele momento, nós não éramos pessoas do Rio invisível e sim, Nelson e Yza. Então, transformamos as abordagens em encontros, temos conversas horizontais, não existem posição de entrevistado e entrevistador. E isso ajuda a quebrar qualquer relação de vitimização que possa surgir. Deixamos tudo correr bem solto, falamos sobre música, amores… Não tem script. Mas algumas questões sempre se repetem, isso é normal.

Nunca sofremos nenhum tipo de agressão e isso é maravilhoso de se falar. Nossa aproximação é muito respeitosa, nos apresentamos e perguntamos se podemos sentar. Tem gente que diz sim, e arranja um espacinho no colchão/papelão, tem gente que diz não.O que é bem de boa, né? Porque sou uma completa estranha querendo saber da vida deles. Se a gente parar para pensar, se alguém fizesse isso comigo no ônibus, eu ia ficar meio ressabiada. Não é porque ele está naquela situação que está disponível para o que eu quiser.

Você acha que alguns gostam de serem “invisíveis”? Por uma questão de escolha… Ou por uma questão que talvez você possa me explicar melhor… Já que alguns preferem nem conversar e nem serem “invadidos”… É real as pessoas que “GOSTAM” de serem moradores de rua? Por que eles não procuram ajuda?

É meio surreal dizer que alguém gosta de morar na rua. Já ouvi muita gente me dizendo coisas como “na rua não se mora, se vive”, “eu moro andando”… Então, se há uma escolha de continuar na rua, é pelo o que isso carrega junto. Muitos dizem que se sentem mais livres, mas um já me disse “estou preso na rua, não consigo sair”. É muito relativo. Esse negócio de “procurar ajuda” é mais complicado ainda. Você é um cara extremamente marginalizado, tu recebe “não” o dia todo… A autoestima diminui aos poucos. Mesmo que você procure um emprego, não se tem endereço, muitas vezes não se tem documento, e isso vai dificultando ainda mais. Imagina estar a mercê da boa vontade dos outros pra comer, umas das coisas mais.

Esse ponto é interessante e vem bem a calhar na situação da criminalização. Ninguém é bandido porque quer, né? É quase isso. Deve existir muita coisa por trás disso…

Total. A gente percebe muito que o ponto chave que poderia explicar é a falta de uma base familiar mais estável. Isso desencadeia miiiiil coisas, relação com drogas, brigas e desentendimentos… A incompreensão é assunto recorrente nas conversas. Por exemplo, Nestor é um argentino que conhecemos… Ele veio refugiado do governo e, aos poucos, foi perdendo tudo que tinha porque não conseguia se adequar ao modelo social capitalista. Então, ele tá na rua porque faz mais sentido pra ele. Tem a Dira, que me contou que a mãe não entendia ela e que se sentia muito presa em casa. Veio pro Rio procurar emprego, nunca conseguiu e foi ficando. Voltar para casa não é uma opção.

Yzadora interrompe a entrevista

Posso fazer uma reflexão aqui agora sobre autoestima? A rua é onde a galera joga lixo, sabe? Onde ninguém para pra conversar com ninguém… Talvez, começar a mudar nossa relação também com esse espaço urbano possa ajudar. É algo que demora muito, né? Quiçá gerações, mas eu fico feliz de ver essas iniciativas culturais em praças, de graça. É onde todo mundo é igual, todo mundo ta ali com a possibilidade de viver a mesma experiência. Foi só uma coisa que pensei agora (risos)

Yza, qual foi a história mais comovente que fez você rever totalmente a SUA concepção de realidade social no Rio de Janeiro?

Cara, acho que a minha percepção de Rio de Janeiro mudou aos poucos. Não teve nenhum ponto de virada marcado. Não gosto muito de escolher alguém, quando me perguntam qual a história mais marcante, mais comovente… Não existe preferido e preterido. O que rola é afinidade, o quanto eu estava ali disposta para o encontro. É por isso que a gente não tem dia marcado pra postar. É um trabalho extremamente artesanal – percebemos que precisamos estar bem, sem horário pra acabar… Não podemos (e não queremos) transformar essas histórias em produto a ser consumido (como conteúdo, no caso). São pessoas, e, como na vida, elas aparecem quando tem que aparecer.

Por exemplo, eu conheci a Valéria em um momento muito louco da minha vida. E ela foi conversando comigo de um jeito lúdico demais e, na fragilidade de sua voz, tinha uma força enorme de esperança. Isso é o que fica. Essa coragem de ir dormir sem saber se vai acordar, porque a violência é uma realidade. Eu nunca saí de uma conversa sentindo pena de alguém, pelo contrário.

Pra fechar a entrevista: vocês ajudam as pessoas que são entrevistadas, né? Como funciona?

Cara, então. Como eu disse, a gente acaba criando laços por afinidade e reencontramos sempre algumas pessoas. O Rio Invisível não é um projeto assistencialista, ele serve para preencher um espaço que precisava ser preenchido, é social. Mas, como pessoa, nós ajudamos como podemos e se a pessoa quise. Nem todo mundo aceita ajuda. Sempre perguntamos se eles estão precisando de algo, no fim de casa conversa, e recebemos muito “não”. Mas, quando surge alguma necessidade, procuramos ajudar. Surgiu um grupo a partir da página, o Rio Mais Visível, coordenado pela Cecília Machado. Ela faz um trabalho incrível de acompanhamento, leva pro hospital, facilita para tirar documentos, e até já conseguiu emprego para uma pessoa. Isso é muito bacana! Porque essa rede foi criada e funciona independente da página.

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Para conhecerem melhor o projeto:

https://www.facebook.com/rio.invisivel