Uma Leitura de Encruzilhada, de Marcelo D’Salete

Encruzilhada é um dos lançamentos em quadrinhos de Marcelo D’Salete, escritor, quadrinista e ilustrador brasileiro. Publicado no ano de 2016 pela Editora Veneta, é composto pelos capítulos: Sonhos, 93079482, Corrente (história baseada em um conto de Kiko Dinucci), Brother, Encruzilhada e Risco; o livro nos transporta para uma cidade caótica e totalmente urbanizada, que poderia ser a própria metrópole paulista. Encruzilhada tem em sua composição seis contos que fazem jus ao significado do título, ou de um lugar de cruzamento e até mesmo uma situação difícil de se escapar. Este é o mundo da trama, onde cada desenlace é acompanhado da luz da modernidade e das dificuldades enfrentadas em uma grande cidade como São Paulo.

Roubos, violência policial e injustiça são apenas o começo de uma perseguição que não parece ter fim. Em Sonhos, notamos as presenças daqueles que (sobre)vivem em espaços de rua e precisam tentar comer para não morrer de fome, e vestir-se para passar o frio. O furto de uma jaqueta é justamente o estopim encontrado para que se possa ali mesmo sentenciar mais um jovem, que morrerá à luz de uma arma silenciosa e uma justiça que fecha os olhos para os corpos marginalizados. No entanto, a situação é interrompida e percebe-se que aquele que cumpre papel de agente da lei tem tantas coisas em comum com sua potencial vítima, como o cansaço de uma guerra sem saber com quem está lidando e a espera de alguém em casa para mais um jantar, ou uma jaqueta velha que ajude passar o frio.

O capítulo é precedido por 93079482. Este fala acerca da compra de um celular e um furto. O desfecho do caso é nada mais, nada menos que a mera perpetuação de um mercado que se alimenta do sofrimento alheio e da mão de obra fácil e barata que produz, mata e vende na mesma loja de compra.

Corrente diz respeito a troca de uma santa que faz mudar toda uma situação. A questão colocada é como a imagem doada entre diversas pessoas acaba alterando o curso de uma história e ficando na mão da pessoa mais improvável. Brother é a capa de um dos muitos filmes vendidos por uma garotinha na rua, que não tem outras opções para sobreviver. Clientes mal-educados, agressão e riscos são os temas principais do pequeno conto. Já em Encruzilhada teremos uma história mais que emocionante, a de um garoto que guarda o carro da família enquanto sua mãe está no mercado. No entanto, os seguranças do mercado são alertados para que peguem aquele, que eles acreditavam ser um criminoso. O garoto sofre diversas agressões e acaba morrendo. Não bastasse isso, a história toma um rumo impressionante que vale a pena ser lido o mais depressa possível.

Risco é o último capítulo do livro – e talvez o mais chocante em atos de violência e imagens. O enredo é mais complexo e é preciso entender três narrativas em conjunto no conto. A primeira se dá entre o relacionamento de uma mulher aconselhando seu namorado a não levantar a voz à polícia; a segunda é de uma fotografa frustrada que não consegue com suas lentes fotografar o momento exato de um fato marcante para vender a um jornal; a terceira é de um arranhão em um carro por um flanelinha; e a última é de uma briga com a presença de uma polícia pouco preocupada com a justiça e a verdade.

A obra de Marcelo está repleta de elementos do cotidiano que precisam ser repensados e avaliados pela luz da razão e ponderados na balança da justiça e da legalidade. Lançando-nos numa cidade grande e com muita injustiça e violência, o autor dá voz aos sem voz, dá palco para quem sempre fica atrás da cortina e reverbera o grito daqueles que foram silenciados em qualquer beco sujo, ou mesmo tiveram a oportunidade de receber um processo legal e justo, dentro do que prevê nossa legislação.