Confesso que algo me chamou a atenção quando me deparei recentemente com um artigo sobre o trabalho social da professora que possui licenciatura em português e literatura, Luna Magalhães. Ela que se coloca a disposição num trabalho voluntário. O artigo que é intitulado: ‘Professora usa a poesia para sensibilizar ex-moradores de rua em Jacarepaguá’*. A história narrada na matéria merece ser proclamada aos quatro ventos. Os internos ganharam até mesmo um nome para se apropriarem do ‘Projeto Salva Vida’, nome que surgiu de maneira espontânea: “Poetas de Betanópolis”, fazendo uma alusão a Instituição que abriga os jovens poetas.
Vale lembrar que nesses dias onde o medo e a insegurança parecem reinar, poucas coisas me causam um estado de Alumbramento, senão a poesia.
“Nos rincões também há beleza”, me disse Nélida Pinõn certa vez.
Eu automaticamente, após ler a entrevista, quis conhecê-la e saber mais sobre o seu projeto. De maneira a poder passar para os leitores da Agência de Notícias da Favela (ANF) essa história repleta de poesia social. A entrevista ocorreu no Centro do Rio. Na minha frente uma mulher de gestos largos, fala doce e segura de suas palavras. Talvez seja este o segredo que encante cada um dos participantes do projeto. Nesse trabalho que é realizado desde 2015.
Luna Magalhães que também é poeta e escritora do livro ‘Versos e Vozes’ falou-me do seu trabalho na instituição ‘Associação Solidários Amigos de Betânia’ (ASAB), local este onde acontece as oficinas. Instituição essa sem fins lucrativos. As oficinas com os internos- indivíduos em situação de rua e dependência química – são realizadas uma vez por semana e contam com apresentação de documentários sobre poesia, diálogos sobre assuntos que tratam sobre temas sugeridos pelo próprio grupo e discussões sobre os temas sugeridos, muitas vezes pelos próprios participantes. A poesia para ela é um conceito estético: “A oficina é muito mais intuitiva do que propriamente metodológica”, ressalta a professora e poeta.
Sendo assim, poesia pode ser um modo de olhar vida. A idealizadora do projeto ‘Poesia Salva Vida’, destaca o propósito do projeto desse modo: “A proposta é despertar a poesia na população em extrema situação de vulnerabilidade social, enquanto ferramenta de transformação social, resgate e ressocialização.”, afirma a professora.
Deste modo, cada um pode manifestar as suas emoções no papel quando quiser, como diz a própria dinamizadora do Projeto: “Se sentirem a necessidade de jogar coisa no papel… faça!”. Faz lembrar-me uma frase da Adélia Prado, quando se refere a poesia como emoções de natureza interior, mas com caráter de alcance universal. Eu posso tentar compreender essa otimização sugerida, pois não se segura sentimentos acumulados, traumas e angustias por muito tempo, mas devemos trabalhar as nossas questões interiores.
As oficinas ainda contam com temas sugeridos para que o grupo possa construir um poema -na perspectiva do coletivo- com uma temática proposta. Sendo assim, desenvolve-se a ideia que cada um participa de um todo ligado em rede de sentimentos compartilhados. Além disso, a professora distribui livros para incentivar o hábito da leitura. Uma forma de dizer: “Ler para viver!”, como escreveu Gustave Flaubert.
Luna Magalhães que é admiradora de Florbela Espanca, Olavo Bilac, Mário Quintana e Manoel de Barros, entre outros. Quando perguntada definiu a poesia dessa maneira: “Poesia é emoção! Poesia é coração! Sentimentos! Poesia é muita humanização!”, encerrando a frase com os olhos marejados.
Luna é uma poeta que ama o próximo porque tem ouvidos (lembrei-me do poema de Olavo Bilac, citado por ela durante a entrevista). Em uma sociedade onde o amor escorre por nossas mãos, um amor líquido, como afirmou (Zygmunt Bauman) e os chamados “párias da sociedade” são tratados como invisíveis. Nessa triste realidade encontramos os esperançosos, os otimistas, que buscam lançar luz ao outro. A professora se levanta e procura colaborar numa sociedade apática. Sociedade que coisifica pessoas e pessoaliza coisas.
A professora relata-me de vários casos de internos que passaram a ter um outro olhar acerca de si mesmo e da vida. Eu ao término da entrevista fui para casa e levei um bom tempo para pegar no sono. Estava sonhando acordado e me perguntando: O que é preciso fazer para mudar a vida de alguém? Fiquei pensando também na luta e na coragem de uma poeta-guerreira que mantém essa doce labuta de levar poesia e proposta de mudança de vida, mesmo que sem patrocínio algum.
O amor ao próximo tem sido a sua motivação e o desejo de ressocialização por parte dos internos a sua mola propulsora.
Ela contou-me que participa de mais outros projetos pela cidade, enquanto professora voluntária: no Lar Betânia, Comunidade Emaús. E diz que já levou essa experiência ao Abrigo Plínio Marcos e ao Museu do Amanhã em parceria com o Projeto “Uma Só Voz”.
Luna Magalhães exerce um papel social fundamental para quebrar o status quo que tenta se estabelecer nas entranhas da sociedade. Afinal de contas: “gente quer luzir”, diz Caetano em uma de suas canções. A proposta é começar da realidade de cada indivíduo (micro-história), de catapultá-lo, lançá-lo no seu universo interior para desbravar o mundo exterior (macro-história), o mundo lá fora. Penso que os historiadores Carlo Ginzburg e Giovanni Levi bateriam palmas para ela de pé. Neste caso podemos lembrar dos versos do poeta Manoel de Barros: “Poesia é voar fora da asa”. Luna Magalhães quer despertar esse desejo de novos voos em cada um dos participantes, mas agora na direção certa. Ela traça o Plano e dá as ferramentas, mas quem decide a trajetória é cada um dos integrantes dessa tripulação. A poesia é algo mágico e transformador (Rubem Alves). Sigamos torcendo por cada aula repleta de poesia e encanto e por cada um dos seus tripulantes nesse avião chamado: Projeto Salva Vida!
* Júlia Amin, 29/08/2017, O Globo.
Foto – Bárbara Lopes