André Fernandes
Há muitos anos não entrava na favela de Vigário Geral. Não me lembro bem quando foi a última vez, mas lembro como era a comunidade quando trabalhei lá na Casa da Paz, em 1997, quatro anos após a chacina que abalou o mundo, quando vinte e um trabalhadores foram brutalmente assassinados. Ao entrar em Vigário, convidado por Lazaro Bruno, meu amigo, que estudou na Casa da Paz, tendo depois trabalhado também lá conosco, senti grande diferença do que era para o que é hoje. Bruno, 33 anos, atualmente tem uma lan house e pretende montar uma associação comercial na favela. Na época da Casa da Paz, ele fez o curso do CDI – Comitê para Democratização da Informática, tendo depois se tornado coordenador do curso na instituição.
Ao atravessarmos a passarela encontrei o artista plástico Valmir Vale, que também trabalhou conosco na Casa da Paz. Valmir ficou conhecido por ter feito a escultura “almas aflitas”, que se encontra hoje no Senado Federal. Ele conseguiu catar milhares de cápsulas deflagradas, de vários calibres de armas, da histórica guerra do tráfico entre as favelas de Vigário Geral e Parada de Lucas e construiu com essas cápsulas a escultura de uma família ajoelhada pedindo socorro. O artista hoje continua seu trabalho contundente em favelas do Rio de Janeiro.
Logo após o encontro com Valmir, continuamos andando pela Rua Antonio Mendes, a principal de quem entra em Vigário, onde fica a Casa da Paz e que hoje funciona a ONG Onda Azul . Seguindo pelo caminho, Bruno me levou para conhecer a sua lan house e logo após fomos nos encontrar com Neide, a presidente da Associação de Moradores que há dez anos vem realizando um trabalho de uma guerreira, afinal, não é nada fácil se manter tanto tempo em uma associação de moradores de uma favela.
Começamos a andar na favela, que hoje realmente é muito diferente por conta das obras de infra-estrutura, e como diz Neide, principalmente do Favela Bairro, citando o ex-prefeito César Maia. Neide foi mostrando a favela e me perguntando se as coisas tinham melhorado. De fato, muitas mudanças aconteceram de dez anos pra cá. Apesar de muitas coisas boas, a presidente da Associação relatou algumas coisas que não estavam bem, das quais destaco três: O sistema de esgoto das casas estavam indo para o sistema de águas fluviais, uma falha do favela bairro. Quase metade da favela estava sem luz, culpa da Rio Luz que espera que algum “padrinho” político vá até lá para fazer o pedido e receber o bônus desse “favor!”. Digo isso, pois entramos em contato com a Rio Luz, citamos o problema e nenhuma medida foi tomada, diferente do que acontece no asfalto, em bairros da zona sul carioca. E por último, o rio que passa atrás da favela de Vigário e Parada de Lucas está tomado de gigogas, que são prejudiciais para o mesmo. Todos, descasos do poder público que só deverá se preocupar com isso daqui para o ano que vem, ano eleitoral.
Continuando a caminhada pela comunidade, Neide vai me dando os números de lá: Seis mil moradores, que contam com 25 garis comunitários para as duas comunidades, de Parada de Lucas e Vigário. Eram 36, porém houve uma diminuição e a presidente espera que o prefeito Eduardo Paes reponha, já que segundo ela esses não estão dando conta de limpar as 56 ruas que existem só em Vigário. Uma farmácia e duas padarias, além de dezenas de biroscas (bares), compõem o comércio da favela. Muitas casas, segundo ela, estão para vender por preços que variam entre seis e quinze mil reais, e os aluguéis vão de cem a duzentos reais.
Quase no fim de nossa caminhada, paramos para almoçar na pensão da Chupetinha, local conhecido de todo morador da favela, bem como de personalidades que visitam a comunidade. Almoçamos e me confraternizei com alguns moradores que conheci no passado quando trabalhei na Casa da Paz, me sentindo praticamente em casa. Ao término de nosso almoço, Neide fez questão de me mostrar o que para ela é uma das grandes vitórias da comunidade nos últimos tempos. Levou-me para ver uma enorme caixa d’água da CEDAE, com seiscentos mil litros e outra menor, com capacidade para cinqüenta mil, que foram colocadas lá através do PROSANEAR.
Logo depois, fomos caminhando até a passarela, onde me despedi da presidente que orgulhosa por demonstrar o árduo trabalho que realiza com pouca ajuda do poder público, me convidou para voltar outras vezes. Afirmei para ela que não só voltaria como também Vigário teria em breve um correspondente, que estaria diariamente relatando as vitórias e lutas de sua comunidade.