João Pedro Matos Pinto, 14 anos, Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. Iago César Gonzaga, 21 anos, Acari, Zona Norte da Capital carioca. Em comum? Ambos jovens negros em um país que odeia jovens negros e foram assassinados, um ontem, outro nesta terça-feira, 19, pelo estado brasileiro e suas polícias.
Eles se juntam a Ketellen Umbelino de Oliveira Gomes, 5, Ághata Félix, 8, Ana Carolina de Souza Neves, 8, Jenifer Gomes, 11, Kauã Rozário, 11, Kauan Peixoto, 12, Kauê dos Santos, 12, mais uma interminável contagem de crianças, jovens e adultos negros e favelados – como DG, Cláudia e Amarildo – que tiveram a vida ceifada nos últimos anos num verdadeiro genocídio implementado pelo Estado Brasileiro. Uma rotina cruel de destruição física e psicológica de famílias negras e faveladas. Só no Complexo do Alemão, nessa semana foram 13 assassinados em um dia, uma chacina horrível.
Letalidade recorde e impunidade
No Rio de Janeiro, a letalidade policial bateu recordes no ano de 2019. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública – ISP, só entre janeiro e outubro de 2019, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro matou mais de 1.500 pessoas. Estes números representam 1/3 de todas as mortes registradas em todo o estado do Rio de Janeiro no período. Esses dados são mais assustadores em um momento em que o número geral de homicídios vem diminuindo.
Esses assassinatos que vitimam majoritariamente negros se explica em parte pelo amplo apoio popular que o racismo institucional proporciona, mas também pela certeza da impunidade desses agentes do Estado, certeza esta respaldada por esse mesmo racismo. Segundo a ONG Rio de Paz, apenas 8% dos homicídios no Brasil são esclarecidos. Na Alemanha e no Japão esses números chegam a 98% e 95%, respectivamente. É o excludente de ilicitude na prática.
letalidade da Polícia Militar do Rio de Janeiro chamou a atenção do principal jornal norte-americano, The New York Times, que essa semana traz uma matéria importante e impactante assinada pelos jornalistas Manuela Andreoni e Ernesto Londoño, intitulada “Licença para matar: por trás do ano recorde de homicídios cometidos pela polícia no Rio”.
Além dos dados sobre letalidade, a matéria traz outra revelação estarrecedora: em pelo menos metade das mortes analisadas pelo jornal, as vítimas foram baleadas pelas costas. Ou seja, não apresentavam risco iminente para os agentes de segurança que justificasse uma execução. Aliás, sobre o risco iminente, apenas dois agentes nos casos de homicídio analisados pelo jornal relataram terem sofrido algum tipo de dano físico, um porque tropeçou e caiu e outro por um disparo acidental do próprio fuzil. A certeza da impunidade é tanta que os policiais nesses casos analisados sequer se deram ao trabalho de mentir ou de “forjar” as vítimas. A verdade cruel e criminosa de execuções sumárias por agentes do estado basta no relatório dos assassinatos.
Este é o retrato de corpos negros que nada valem para o estado brasileiro, que nem no meio de uma pandemia, na inocência de uma criança e na alegria do seu lar escapam de ser encontrados pelas balas de um estado genocida que odeia a maioria da sua população, formada por negros. Corpos negros que mortos aos montes não causam crise ética, não colocam em xeque o estado democrático de direito, não sensibilizam a classe média e a mídia. Vidas negras que não importam. E assim o Brasil segue, dando super certo com o projeto colonial e racista sobre o qual essa nação se edificou.
Que no aniversário de 95 anos de Malcom X e com o exemplo histórico de Zumbi e Dandara o povo negro conquiste sua segunda e definitiva abolição, custe o que custar e seja com qual método for.