Que o Brasil é o país do futebol, ninguém pode negar. Por aqui, esse esporte representa grande parte de uma cultura geral, que é capaz de unir toda a população em certos momentos. As emoções provocadas por jogos podem ser explicadas por qualquer torcedor, da maneira mais particular possível. E não se trata apenas das partidas disputadas entre os principais clubes nas primeiras divisões profissionais, até porque existe uma enorme base que sustenta a nossa paixão pelo futebol. Ela começa nas ruas, com a molecada jogando descalça e alimentando o sonho de ser um craque no futuro.
Assim como existem os sonhadores (e com certeza toda criança tem o sonho de ir rumo ao estrelato), há muitos profissionais que tratam de alimentar esses planos e tentar mostrar os caminhos para os jovens. Assim, chegamos ao projeto que é um enorme exemplo de superação em nome da educação pelo esporte. Chegamos mais especificamente à Vila Aliança, no bairro de Bangu, na zona oeste, para lhes apresentar a ONG Craques da Vida.
Esse projeto social, de grande repercussão em meios de comunicação, como jornais, documentários e programas de televisão, sendo reconhecido internacionalmente, é um trabalho de quase 20 anos naquela comunidade, e que já mudou a vida de muitos que ali passaram. A cabeça por trás de tudo e que luta diariamente pelo sonho é a de Franklin Ferreira de Melo, professor de educação física de 38 anos idade, formado pela Universidade Castelo Branco, pós-graduado em graduação de projetos sociais pela própria UCB, e com especialização em futebol pela UFRJ, com licença C da CBF. Hoje sua vertente de trabalho é com a favela e o futebol. Ele dá palestras sobre o esporte como transformador social e os impactos que causa na vida dos meninos das favelas. Ele nos contou sobre a história do projeto e a sua própria história.
“A ONG começou em 2007, mas antes era apenas o projeto Craques da Vida, que surgiu em 1999. Juntando isso tem quase 20 anos. Tudo começou em 1998, quando fui com 400 jovens para a Copa do Mundo da França pelo Projeto Amigos, e lá fui escolhido dentre esses jovens para fazer uma faculdade. Como todo menino brasileiro de comunidade sonha em ser jogador de futebol, eu tentei, mas sabia que eu tinha meu limite e, por isso, criei o plano B: se um dia não fosse jogador de futebol, seria um professor de educação física, para retribuir tudo o que fizeram por mim nessa vida”, disse Franklin.
“Só comecei a faculdade em meados de 2001, quando Delphine Douyere, fundadora da ONG Terr’Ativa (em 1999, essa ONG tinha implantado na Vila Aliança o Projeto Craques da Vida), sem eu saber, dava aulas particulares junto com Gerome Four, para pagar a minha faculdade. Aquilo, ao mesmo tempo, me deixou feliz e triste, mas ela me disse: ‘Tenho que cumprir com a palavra que te foi dada, pois a pessoa que tinha prometido não cumpriu.’ Depois, ela conseguiu apoio na Fundação Kinder in Brazilian, e com o senhor Patrick Lbiou, que pagavam juntos a minha faculdade, e tão logo as minhas especializações e pós-graduação. Depois de concluída a faculdade, criei a ONG Centro de Educação Integrada Craques da Vida, aqui na Vila Aliança.”
Em 2007, os franceses responsáveis pela ONG foram assassinados em Copacabana, e a perda dos patrocinadores do projeto acabou por limitar o seu potencial de atuação. Com isso, as atividades oferecidas pelo projeto se reduziram apenas ao futebol, sobre a gestão do então professor Franklin, que já atuava no projeto Craques da Vida e criou, a partir desse fato, uma nova ONG para que a iniciativa não se perdesse. “Eu mesmo comecei o trabalho com os meninos, e consegui alguns loucos que estão comigo nessa luta, como o Denis, Carlos, Rodrigo, Mateus, Jonas, e Walace. Todos nós somos voluntários.”
De maneira geral, o projeto tem como objetivo oferecer às crianças da localidade, atividades esportivas e socioculturais. Para isso, conta com atividades de apoio escolar, grafite, dança de rua e futebol. Eles trabalham com a educação popular através do esporte e da cultura.
“O objetivo inicial era de ver a alegria das crianças e jovens da minha comunidade, e tentar levar o nome da Vila Aliança para o mundo de uma forma diferente, da forma de que aqui não tem só tráfico, mortes, dentre outras muitas coisas ruins. Através do trabalho, as pessoas conhecem um lado bom do nosso lugar. É bom ver meninos que sonham e que através do esporte podem chegar onde nunca imaginaram”, destacou Franklin.
Hoje, o projeto trabalha com aproximadamente 300 meninos divididos por idade: entre 3 e 5 anos, 4 e 6, 7 e 10, 11 e 14, e 15 e 17. Apesar da maioria masculina, também há meninas envolvidas. O projeto feminino, para crescer, depende da procura da comunidade.
Os treinos acontecem em dois campos: um é o campo da Praça do Aviador, em que as crianças e jovens de 3 a 13 anos treinam nas terças e quintas, das 16h às 18h. O outro é o campo do Mangueiral, para adolescentes de 14 a 17 anos, que treinam de segunda a sexta, das 17:30 às 19:40.
ANF – Quais as principais dificuldades encontradas pelo projeto hoje em dia?
Franklin: A falta de material de treino e lanche para as crianças me deixa muito triste. Não temos apoio, apenas nosso amor e nossa força de vontade em mudar um pouco a realidade da Vila Aliança através do esporte. Nossa comunidade tem hoje um dos piores IDH (índice de desenvolvimento humano) do Rio de Janeiro.
ANF – Como você avalia o impacto do projeto?
Franklin: Isso pode ser resumido em uma palavra imensurável, o impacto é direto na conduta das crianças e jovens como cidadãos, melhora no comportamento em casa e na escola. Além disso, queremos mostrar os direitos e deveres, os valores de andar lado a lado com a família. No nosso caso, ainda temos alguns impactos também na vida, alguns jovens do projeto hoje trilham a carreira do futebol. Alguns exemplos são o Douglas Lima, de 21 anos, que hoje joga no Ontario Fury dos Estados Unidos. Esse tem uma lição de vida. Também tem o Alexandre Melo, 19 anos, e joga no sub-20 do Vasco da Gama.
Como é um projeto de futebol, precisamos também falar dos resultados em campo, que são excepcionais. O professor e treinador levou seus meninos a disputar as últimas quatro Taças das Favelas, sendo ao menos terceiro colocado em todas, vice nos anos de 2015 e 2018, e campeão em 2017.
“Em 2015, a gente fez um trabalho de conscientização da comunidade, um time coeso e que chegou longe. Na final, tivemos problemas no jogo e fomos vices. Não pude estar no campo, mas estava na torcida e fizemos uma imagem emblemática, que foi muito usada depois, com a mensagem de que podemos perder no campo, mas na vida somos sempre campeões. Em 2016, erramos de novo em algumas coisas, e ficamos em terceiro lugar. Em 2017, foi o ápice. Consertamos todos os erros, fomos determinados e campeões. Em 2018, vice-campeões de novo, para Caixa D’Água, time que eu já tinha treinado antes, e uma coisa doida foi que a gente entrou na competição através deles. Enfim, a Taça das Favelas é nossa Copa do Mundo, é a oportunidade que a favela tem de falar nas grandes mídias.”
ANF – Como você vê o futuro do projeto?
Franklin: Eu vejo com muita fé. A gente não quer luxo, a gente quer dignidade para poder atender mais crianças da nossa comunidade. Nós temos uma sede, e temos que conseguir parceiros para viabilizar uma reforma aqui. Já começamos a obra, mas precisamos de dinheiro para continuar. Depois de regulamentar a documentação da ONG, a gente corre atrás da manutenção. Assim, a gente vai poder oferecer mais alegria às crianças, mais conhecimento, não só no futebol, mas também algo técnico, como cursos profissionalizantes para eles, e poder levar o nome da nossa comunidade para o mundo, mais do que a gente já tem feito. Queremos criar protagonistas, meninos que joguem muito no futuro e olhem para trás. E a gente sonha com uma Vila Aliança melhor, que dê mais oportunidades para os jovens. A linha do campo não delimita a vida, o futebol vai muito além disso, serve para impactar vidas.
“Gostaria de deixar uma mensagem: o amor pelo que faço me move a lutar por aqueles que sonham com algo em sua vida. Sou apaixonado por futebol e acho que através dele podemos impactar vidas. Faço das dificuldades meu combustível para chegar aos meus objetivos. Não sou desses de ficar chorando pelos cantos, sou de agir. Enquanto aqui na Vila Aliança existir o sorriso no rosto das crianças e a vontade de vencer, quero que vejam em mim a palavra OPORTUNIDADE…
A mensagem que deixo é de que nada é fácil nessa vida. Eu li uma frase um dia e nunca me esqueci: ‘Mesmo antes de nascer, já lutávamos, sem olhos, sem braços, sem pernas, sem nada, mas com uma coisa: sempre andar para frente. Mesmo que venham humilhações, alguma coisa que venha a desmotivar, eleve seu pensamento a Deus, pois ele sempre estará com cada um de vocês.’
Tenha gratidão por todos que, de alguma forma, o tenham ajudado, seja em um ‘boa sorte’ ou em um abraço, ou alguém que tenha te ajudado materialmente, fora aqueles que nos ajudam com suas orações. E o principal: honrem suas famílias sempre, pois são elas que em todos os momentos estarão com vocês. E quando chegarem, se Deus quiser, vão chegar, ajudem as crianças de suas comunidades.”
Reforçamos que a ONG está precisando de doações. O link da vaquinha virtual é este: http://vaka.me/450768. Mesmo que no momento não dê para ajudar financeiramente, você pode orar e compartilhar isso.