Nascida e criada no Morro da Providência, posso dizer que já vi de tudo: inúmeros tiroteios, gente baleada e morta na porta da minha casa. Já tive que correr para me abrigar em meio a um tiroteio; já vi helicóptero mandando tiros a esmo na captura de bandidos, esquecendo que na favela não mora só bandido. Lembro das inúmeras vezes em que precisei faltar a escola por causa das operações e das outras tantas em que tivemos que nos esconder nos fundos da casa para nos proteger dos tiros.
Houve um tempo que isso era rotina, mas também houve um momento de aparente calma, onde vez ou outra escutávamos algum tiro ali ou aqui. Isso, para quem conhece a realidade da favela, é considerado um momento de trégua. Mas, pois é, voltamos aos meus tempos lá da infância e adolescência. Dia sim e outro também escutamos tiros e mais tiros, sem fazer a menor ideia de onde vêm. Contamos com as redes sociais para informar uns aos outros e saber que atitude tomar: se vamos poder sair de casa ou não.
Na noite de ontem, eu e outros inúmeros trabalhadores esperávamos na Central o transporte que nos levaria às nossas casas, mas tivemos que esperar uma trégua no tiroteio entre policiais e bandidos. Ir e vir não é uma questão de direito constitucional. É questão de sorte mesmo. Como se já não fosse absurdo, no início da manhã de hoje, fomos acordados mais uma vez no susto, com bombas e tiros. A informação que corre por aqui é dá conta que a operação vai se estender por todo o final de semana. O impressionante e revoltante disso tudo é que o Estado diz estar quebrado e sem dinheiro para pagar em dia inclusive a própria PM. Mas de onde vêm os recursos para essas operações com mais de 200 homens, segundo dados da própria PM? Para a favela sempre vai ter dinheiro, mas só para a munição do Estado armado. A intervenção do Estado aqui só se realiza assim. Quem mora na favela sabe bem disso.
A Prefeitura do Rio também orientou que a população evitasse a região do Centro. Mas e nós, que moramos aqui? É de uma falta de sensibilidade e noção que só nos deixa ainda mais estarrecidos. Até quando viveremos obrigatoriamente ilhados e reféns desse caos?