Os números da Covid-19, assim como os da violência policial, tem denominadores comuns: a classe social, o território, a raça e o gênero. Elementos que tornam a favela um lugar que convida à morte. O ano de 2020 é o da morte abrupta e generalizada em todo o planeta. São milhares de mortos em quase todos os países, salvo alguns que tem um bom sistema de saúde e que souberam tomar medidas anti-infecção a tempo.
O Brasil, mesmo contando com o Sistema Único de Saúde (SUS) e de valorosos profissionais de saúde, carece de um enfrentamento planejado e eficaz por parte do governo central. Até o dia 5 de junho o país já registrou quase 1.500 mortes em um único dia e já se somam pelo menos 35 mil mortos pelo novo coronavírus e 645.771 infectados em todo o país.
Seguimos há mais de 20 dias com um Ministério da Saúde sem titular, ocupado interinamente por um militar sem formação alguma na área a que foi designado. Diversas cidades estão suspendendo a medida de distanciamento social não porque a pandemia está controlada, mas pela razão inversa. A aposta também de prefeitos e governadores passa a ser, seguindo a lógica do presidente Bolsonaro, a naturalização, a banalização da morte e a indiferença coletiva quanto aos mortos da pandemia. Lógica similar norteia a política de segurança pública imposta às favelas do Brasil.
Oficialmente, a polícia brasileira pode usar de força letal apenas no enfrentamento de uma ameaça iminente à vida. Mas a análise do Observatório de Segurança Pública do Rio de Janeiro mostra que, de 15 de março, início do isolamento social, até 25 de maio, a polícia fluminense matou 78 pessoas nas favelas cariocas. Em mais da metade dos casos analisados pelo Observatório, em parceria com o jornal The New York Times, os mortos foram baleados nas costas pelo menos uma vez, o que nos leva a questionar o fator “ameaça iminente”. Em 25 desses casos, as vítimas foram baleadas ao menos três vezes.
Essa situação permite desconfiar da deixa de uma fuga dos protocolos oficiais e sugere a escolha pela letalidade. O afastamento do emprego dos protocolos oficiais, indicados por cientistas e técnicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e também pelos nossos médicos e cientistas, desenha um quadro comum também constatado nos observatórios sobre saúde das periferias.
Enquanto os órgãos competentes frisam a necessidade do uso de máscaras, a maior extensão possível do distanciamento social e restrição de funcionamento regular do comércio, Jair Bolsonaro e uma elite irresponsável insistem em soluções sem respaldo na ciência. Promovem aglomerações, incitam o uso de medicamentos sem comprovação de eficácia e cheios de efeitos colaterais, além de várias vezes aparecerem em público sem usar máscaras.
Tanto na saúde quanto na segurança pública vemos que líderes políticos do Palácio do Planalto promovem um genocídio, arquitetado com precisão e intenso direcionamento para a periferia. As operações e as mortes decorrentes de intervenção policial estão se intensificando nas cidades, em especial em suas periferias habitadas pelas classes mais oprimidas e exploradas. A par disso, escândalos políticos, de tempos em tempos desviam as atenções tanto da escalada da violência quanto do enfrentamento consciente da pandemia e isso é grave.
Em pouco menos de um ano e meio do atual desgoverno, agora em 2020 sob a terrível crise sanitária, aliada à crise econômica, perdemos filhos, irmãos, amigos, mães, avós, para a misteriosa doença. Mas também à conta de governantes que deveriam executar políticas públicas para protegê los. Parece o fundo do fundo do poço. Mas não é. Seguiremos realizando ocupações em áreas desocupadas das cidades, organizando múltiplas agremiações, associações de moradores, sindicatos e destacando comunicadores populares para sempre denunciar atrocidades e descasos, cobrando autoridades. Cantando esperança de tempos melhores.