Na última quarta-feira (10), um carro da Força Nacional de Segurança (polícia vinculada diretamente ao Ministério da Justiça formada por soldados das tropas especiais de todas as polícias dos Estados) dobrou uma rua errada e foi alvejado. Os militares, que pensavam estar indo em direção à Linha Vermelha, entraram na Vila do João (Complexo da Maré), e foram recebidos com tiros por traficantes da localidade.
Este foi mais um lamentável e triste episódio da vida cotidiana das favelas cariocas, onde crianças, idosos e trabalhadores que lá moram estão sempre em risco, seja para entrar e sair de casa para fazer coisas básicas como ir à padaria, escola, trabalho, um bate-papo na calçada ou ir à casa de uma vizinha ou de um parente. Estão sempre apreensivos, pois nunca se sabe o dia e a hora do fogo cruzado – ou, como se diz no popular, “quando o bicho vai pegar!”.
Neste casuístico saíram na quarta-feira três policiais feridos e um soldado de Roraima veio a óbito nesta sexta-feira (12). Isso levou o ministro da Justiça interino Alexandre de Moraes a ir aos jornais e colocar em sua página no Facebook que o interino (Fora) Temer (afinal, presidentes só são apenas os eleitos pelo povo) declararia luto oficial pela morte do soldado. Não é, porém, neste ponto que reside a crítica deste singelo desabafo.
Mas, sim, se para os soldados da Força Nacional foi um erro e um acidente entrar naquela rua da Vila do João; aos seus moradores que, após um incidente dos policiais não restava dúvidas de que os próximos dias seriam de terror. Veremos mais uma invasão, com longas horas de tiroteio, e os episódios de invasões domiciliares que assolam as favelas nas constantes incursões das polícias a estes territórios (sem lei), onde estes mesmos, quando o bicho pega, são os primeiros a se afastarem.
Deste modo, assim se traduz o que chamam de “operação”. São as mesmas rotinas de vingança estatal, pois sempre são dadas cartas brancas pelos governos aos policiais para chacinarem o povo nas favelas cariocas, de modo a descontar o ódio que estes homens sentem ao verem um colega morto ou ferido. Isto não é feito contra os envolvidos com o tráfico tão somente, o que por si só já seria errado, mas contra todos aqueles que derem o azar de cruzar o caminho de uma operação destas.
Isto é prática rotineira. Foi assim que criou-se neste Estado fenômenos com os maiores assassinos da história deste País. Foi o caso de Mariel Mariscot, um dos chefes do Esquadrão da Morte da polícia carioca nos anos 1970, que abandonava os corpos de suas vítimas com os requintes da tortura típica da época. Do mesmo modo, a Chacina de Vigário Geral ocorreu após a morte de quatro PMs da região, conhecidos por serem sanguinários e corruptos. Em represália, policiais encapuzados entraram na favela invadindo casas, matando famílias inteiras e qualquer morador aleatoriamente. O massacre resultou na morte de 21 pessoas.
Chacinas foram registradas também na Favela de Acari e até mesmo na conhecida região da Candelária. Mais recentemente, quando em 2013 ocorreu uma manifestação na região de Bonsucesso e subsequentes saques à lojas, há relatos de que a noite contou até mesmo com assassinatos à faca pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais). A força especial invadiu o Complexo da Maré, levando consigo os símbolos da faca e da caveira. Estes eram os mesmos símbolos que Mariel Mariscot e Le Cocq ostentavam nos cartazes do Esquadrão da Morte criado por Carlos Lacerda, um pelotão paramilitar formado por policiais de “ouro”, que tinham carta branca para fazer o que bem entendessem. Na ocasião da invasão à Maré, o Esquadrão de Cabral matou oito pessoas.
Neste momento, já são três os feridos na Vila do João. A favela encontra-se cercada. Segundo reportagem do Jornal O Dia (11/08/16), um helicóptero sobrevoa a favela a 10m do chão, dando suporte a 200 homens de diversas forças de repressão. Na Favela Bandeira 2, em Del Castilho, já são três mortos. No Complexo do Alemão, a situação também é tensa.
Nenhuma declaração de luto é dada por Ministro de Justiça quanto aos mortos nestas recentes operações. Nenhum luto é declarado pelos tantos mortos nas favelas cariocas. São sempre só mais alguns pretos e pobres favelados passando na hora ou no local errado, desavisados que poderiam levar um tiro na cabeça, tal qual aconteceu com o soldado da Força Nacional. Com uma grande diferença: os moradores são desavisados do acaso, mas ressabiados com o holocausto cotidiano implementado por uma política desvairada e fracassada de guerra às drogas, que só tem resultado em mortes como a do soldado e dos três moradores da Bandeira 02. Ao passo que todo o mundo segue hoje na discussão do fim desta nefasta política, o atual ministro interino da Justiça aparece em uma foto tragicômica cortando pés de maconha no Paraguai. É este mesmo ministro que disse há poucas semanas que o compromisso com a diminuição de homicídios era do outro governo. Vale lembrar que, até pouco tempo atrás, era ele quem comandava a força policial que mais mata no mundo, a Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Portanto, só uma coisa: nesta Cidade Olímpica, tenhamos muita atenção nos próximos dias, pois há risco de recordes de medalhas para o genocídio dos pobres, pretos e favelados!