*Rafael Huguenin

A necessidade de racionalizar o jogo político conduziu os gregos antigos a estabelecer um conjunto de conceitos e princípios de suma importância, sobre os quais se apoia não apenas a democracia grega, mas todas as versões modernas de democracia. Dentre estes conceitos, destaca-se a isegoria (ἰσηγορία), termo impossível de ser traduzido em toda sua amplitude por uma palavra só, mas que pode ser compreendido, segundo Liddell & Scott, como “direito de igualdade de expressão” ou simplesmente “igualdade política”.

No contexto da ekklesia (ἐκκλησία), a assembleia popular aberta a todos os cidadãos, o princípio da isegoria se manifestava no direito de pedir a palavra, se levantar no meio da assembleia e discursar livremente sobre problemas políticos, ou seja, sobre problemas da comunidade que dizem respeito a todos os cidadãos, a todos os habitantes da pólis (πόλις). Mesmo distantes no tempo, faz-se fundamental pensar hoje sobre estas noções, sobre as quais se apoiam muitas das falidas democracias modernas.

Em nossos dias, talvez seja tarefa impossível reunir todos os cidadãos de uma nação em uma única assembleia. Mas é plenamente possível, por outro lado, não apenas realizar pequenas assembleias comunitárias a partir da estrutura das associações de bairros e de moradores, mas também estimular, a partir destas associações mesmas, a integração, o debate e a circulação de ideias e da produção cultural por meio da tecnologia existente. Com isso, o alcance destas associações e de suas iniciativas se expande consideravelmente e, com isso, a consciência política da comunidade. Ainda que a internet seja hoje o centro das atenções, a utilização das ondas de rádio continua sendo uma excelente ferramenta de informação e articulação, capaz não apenas de devolver a isegoria aos cidadãos, mas também possibilitar uma ampla união popular.

Em um cenário no qual autorizações e concessões para utilização do espectro eletromagnético para transmissão de áudio, vídeo e comunicação pessoal obedecem a critérios outros que não o bem das classes populares, faz-se necessário a abertura de uma nova frente de luta popular. Além das ocupações de prédios públicos e comerciais sem utilização, bem como de grandes propriedades rurais improdutivas, faz-se necessário ocupar também as frequência de rádio não ocupadas, observando-se, obviamente, limitações de potência e direcionalidade dos sinais com o objetivo de garantir o caráter comunitário das transmissões.

A Rádio Favela FM, que transmite na frequência de 106,7 MHZ a partir de vila Nossa Senhora de Fátima, uma das comunidades integrantes do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, é um ótimo exemplo. Em 1981, diante da necessidade de um espaço para divulgar informações e a rica produção cultural da região, entrou no ar “a voz do morro”, a Rádio Favela. Em plena ditadura e funcionando com equipamentos improvisados, a rádio era obrigada a trocar constantemente de lugar, mudando de barraco em barraco enquanto fugia da repressão. Em 1996, após anos de luta, a rádio finalmente adquire seu alvará, mero reconhecimento governamental de um órgão que há anos já tinha o reconhecimento de uma comunidade de mais de cento e sessenta mil habitantes.

httpv://www.youtube.com/watch?v=ose1sOSS898

Outros excelentes exemplos de rádios comunitárias podem ser encontrados no texto “Mega FM: o exemplo de uma rádio verdadeiramente comunitária”, de Luíza Sansão, publicado no Portal da Agência de Notícias das Favelas.

Como conclusão, nos parece claro que, se a isegoria, entendida aqui como o direito de todo cidadão de tomar a palavra e expressar suas ideias é essencial ao exercício da cidadania, então é lícito que comunidades organizadas se utilizem das ondas de rádio para esta finalidade, uma vez que os grandes órgãos de comunicação não são capazes de atender a esta importante demanda.