Willian de
Oliveira, Willian da Rocinha ou Willian DJ de fato e de direito é a
mesma pessoa, não são personagens diferentes de uma mesma história.
Antes de escrever este artigo perguntei para ele se poderia escrever
alguma coisa a respeito de sua trajetória de vida. Ele respondeu que
sim. E aqui estou eu.
Conheci o Willian no tempo que eu ainda
morava na Rocinha. O primeiro willian que conheci foi o DJ que promovia
festas e bailes nas comunidades. Ele tinha uma empresa de eventos.
Desde o primeiro contato com ele, alguma coisa me chamou a atenção
naquele jovem que gostava de promover festas e agitar o pessoal com os
balanços musicais que ele tocava. Logo entendi o apelido de Willian DJ,
não era só porque ele tocava nas festas, mas porque o DJ era um
diferencial que o identificava junto aos seus pares e também para
outras pessoas. Ele não não era só mais um Willian, ele era o willian
DJ.

Marcada esta identidade positiva para ele, willian era
conhecido em toda Rocinha e em outras comunidades. Foi assim que ele
ganhou projeção e reconhecimento. Também foi nesta época que ele lançou
seu slogan "o amigo das comunidades".

Em 1996/97, Willian entra
para a política comunitária na diretoria da Associação de Moradores e
Amigos do Bairro Barcellos, uma área da Rocinha que tem sua própria
associação. Nesta época Willian assume uma nova postura pública por
conta de seu papel numa instituição de caráter e de interesse público,
que é uma associação de moradores. A partir deste momento quero fazer
uma proposição teórica sobre este novo momento do papel social exercido
por Willian como possibilidade de anáilise sociológica dos tipos de
líderes comunitários, e um tipo de dominação que os mesmos exercem
sobre a comunidade.

Segundo Max Weber em seu livro "Ciência e
Política: duas vocações". A citação é um pouco longa, masi vale o
investimento: "Existem em princípio três razões internas que justificam
a dominação, existindo, consequentemente, três fundamentos de
legitimidade. Antes de tudo, a autoridade do "passado eterno", isto é,
dos costumes santificados pela validez imemorial e pelo hábito,
enraizado nos homens, de respeita-los. Tal é o "poder tradicional".
Existe, em segundo lugar, "a autoridade que se funda em dons pessoais e
extraordinários de um indivíduo (carisma) – devoção e confiança
estritamente pessoais depositadas em alguém que se singulariza por
qualidades prodigiosas, por heroísmo ou po outras qualidades exemplares
que dele fazem o chefe". Existe, por fim, a autoridade que se impõe em
razaão da "legalidade", em razão da cresça na validez de um estatuto
legal e de uma competência positiva, fundada em regras racionalmente
estabelecida ou, em outros termos, a autoridade fundada na obediência,
que reconhece obrigações conformes ao estatuto. Tal é o poder, como
exerce o servidor do Estado em nossos dias e como o exercem todos os
detentores do poder que dele se aproximam sob esse aspecto".

Dito
isto, por Weber, onde esta teoria se encontra com a trajetória de vida
do William? Lobge de querer enquadrá-lo num destes tipos ideais,
reconhece cada tipo em momentos diferentes na trajetória do William.
william
cocorreu para eleição para principal associação de moradores da Rocinha
– a União Pró-Melhoramento dos Moradores da Rocinha. Foi eleito no
maior preito eleitoral daquela comunidade. Uma eleição marcada pela
transparência e legalidade dos atos dos participantes e com apoio e
assessoria de órgãos públicos.

William assumiu uma associação
marcada pela desconfiança da comunidade, sem credibilidade e com sua
função desqualificada pela inoperância na luta do interesse público
local. No começo de sua gestão William assume um papel de líder
tradicional a frente de uma associação de moradores da maior favela da
América Latina. Parecia que tudo continuaria como "antes". A tradição
dos anos 80 em diante, diz que sim. William repetiria os hábitos
impostos a todos os presidentes que por ali passaram.

Mas aos
poucos William foi revelando uma personalidade marcada pelo carisma e
simplicidade. William buscou ouvir os mais experientes, buscou
informações sobre lideranças antigas e como faziam política
comunitária. William foi para rua conversar com os moradores, ouvir
seus anseios e preocupações. Um de seus primeiros atos foi comemorar os
40 anos de fundação da associação de moradores, com uma festa para
comunidade.

Emergia na sua trajetória o seu lado mais marcante.
William tem um sorriso fácil que cativa quem dele se aproxima. William
fez algo, talvez inédito na história da Rocinha, ele conhecia a
comunidade de cima a baixo. william se legitimou como líder pelo que
fez, ele foi conhecer a comunidade em que vivia.

Algumas vezes
andei com ele pela Rocinha. É impossível andar 10 metros sem que ele
pare para dar atenção a um morador. De forma humilde e atencioso, ele
escuta. Geralmente ele pega um de seus celulares e liga para alguma
autoridade (municipal, estadual ou federal).

Neste processo
William aprendeu o caminho da legalidade dos atos. Organizou a
associação, e passou a redigir requerimentos e mais requerimentos para
os órgãos públicos, enviando fotografias e imagens das carências da
comunidade por obras públicas. Fez parcerias com instituições para
apoiá-lo na melhoria da qualidade de vida da "sua comunidade".

Em
2004, William passa por uma prova de fogo. Estoura uma guerra dentro da
facção que dominava a Rocinha, e William se vê no fogo cruzado entre os
traficantes em disputa pelo território da Rocinha, e a policia que
deveria garantir a segurança de todos os cidadãos. Muitas pessoas
inocentes morrerão. E o caso mais grave foi a morte de três jovens,
pelas mãos da policia na noite de desfile da Acadêmicos da Rocinha.
Eu
e Jorge Collaro estavámos ao lado do William no camorote da Rio Samba e
Carnaval, quando ele recebeu um telefonema de um dos seus assessores na
associação, informando da morte dos três jovens e que a comunidade
queria descer para fechar o tunel Zuzu Angel. Naquele momento ele ficou
sem saber o que fazer. Jorge e eu conversamos com ele, e dissemos:
"fala para ninguëm fazer nada,e vai você para a comunidade agora para
agir conforme diz a lei".

William acionou o Ministério Público,
chamou a mídia, chamou seus parcerios institucionais e botou a boca no
trombone: "a policia está vindo a comunidade para matar inocentes, ela
tem que vir para nos proteger". No mesmo dia ele foi ao goverrnador
"Garotinho" que lhe recebeu e prometeu que o BOPE não entraria mais na
Rocinha daquela forma, atirando a esmo.

Um dia depois, William
estava numa reunião com várias lideranças comunitárias do Rio de
Janeiro e mais o governador. Seu telefone toca e a mensagem é a
seguinte: "o BOPE está na Rocinha detonando geral". Na mesma hora
William se dirigiu ao governandor no meio da reunião e lhe informou que
o BOPE estava na Rocinha tocando o terror. O governador disse que
aquilo não era verdade, que ele mesmo havia dado ordens para o comando
do BOPE não ir a Rocinha. William disse que estava ao telefone com um
de seus assessores da associação e que o BOPE estava na Rocinha sim!. O
governador insistiu em dizer que era mentira aquela informação. William
disse ao governador na frente de todas as lidreranaças, que mentiroso
era ele, que não cumpria palavra.

Esta foi sua sentença. Passado
alguns dias William foi preso por associação ao tráfico de drogas.
Conversas telefônicas foram gravadas entre o William e o chefe do
tráfico da Rocinha na época. Porém, cabe dizer que esta conversa foi
induzida por um dos comandantes da policia, que queria recuperar alguns
fuzis enferrujados que haviam sido roubados de um quartel do exército.
A mensagem do comandante era: "ou entrega os fuzis ou nós vamos subir e
quebra geral". William foi quebrado na sua espinha dorsal. Saiu preso
algemado da associação. O Jornal O Globo fez questão de tirar uma foto
dele algemado na porta da associação.

Foi um golpe na comunidade e
nas demais lideranças, e um recardo que o governador mandava para todos
não desafiá-lo. Qualquer morador das comunidades pobres poderia ser
preso a qualquer hora, bastava ele ordenar a sentença por esta lei
espuria – associação ao tráfcio de drogas. É para rir!

Começava ai
uma batalha judicial entre o governador e os vários defensores do
William. Eu mesmo escrevi vários artigos no Jornal Rocinha Notícias,
questionando a legitimidade do ato. Passaram-se oito meses até que
william foi solto e absolvido da acusação descabida.

William
voltou para Rocinha e para a presidência da associação. Cumpriu seu
mandato e perdeu o preito de tentar se reeleger. Não tentou ficar pelas
formas tradicionais ou de costumes. Reconheceu sua derrota e deu
sequência a sua vida política.

Eu teria muito mais coisas para
falar deste autêntico líder comunitário, que foi forjado nos becos e
vielas da maior favela da América Latina. Aprendeu as regras do jogo
com as lideranças que lhe deram conselhos, acertou e errou, conduziu
inúmeras situações delicadas na Rocinha.

Por último, ainda a
frente da associação de moradores, conseguiu junto ao governador Sergio
Cabral o compromisso de reurbanizar a Rocinha – Plano Diretor da
Rocinha, que hoje se transformou no PAC Rocinha, o maior investimento
público que a favela já recebeu.

Não posso falar do William sem
falar de sua esposa Ellen e sua filha, duas mulheres que resistiram a
ausência do marido e pai. Que são a base emocional de sustentação deste
"cara".
Ao meu amigo william, meu melhor abraço e respeito.

Por Jose Luiz Lima professor de História e Sociologia.
Trabalha no Sebrae / RJ com projetos de Empreendedorismo Social.