Conferência “A Constituição do Comum” – Transcrição da apresentação de Negri
Abertura: Ministro da Cultura Gilberto Gil
Conferência: Antonio Negri
Moderador: Sergio Sá Leitão – Secretário de Políticas Culturais do MinC
http://br.youtube.com/watch?v=rGrubIVxzOE Postagem 26/02/2006 Acesso: 29/11/2008
Quando se lê um livro, no geral, nós vemos o argumento por um lado, por outro lado vemos o tom do livro, no caso o tom político. Exatamente como quando você ouve uma música. Eu acho que tanto como uma música pode agradar um livro também pode agradar. Fico muito orgulho por este grande público ouvir o meu livro.
As minhas palavras esta noite vão se fundamentar em quatros pontos: o primeiro é a diferença que existe entre o moderno e o pós-moderno, o segundo é a relação que se estabelece no pós-moderno, ou melhor, no altro-moderno, no alter-moderno, eu posso falar assim, dos conceitos, entre singularidade e comum. Tento desvendar a maneira que a singularidade e comum não são elementos diferentes na multidão, mas sim, elementos que se sucedem ou se trocam de lugar em uma dinâmica continuamente construtiva. Em terceiro lugar, muito brevemente, procuraremos ver algumas conseqüências políticas dessa relação e por fim em quarto lugar vamos retornar ao conceito de modernidade, o conceito pós-modernidade e sobre tudo o conceito de alter-modernidade e de que medida isto nos permite ampliar o conceito de comum e recuperar uma série de tradições de luta, de pensamento e sobre tudo de consistência biopolítica. Que talvez nos permitam, inclusive, avançar na transformação deste mundo, na construção da democracia.
No que diz respeito ao primeiro ponto, ou seja, a diferença do moderno e do pós-moderno, eu diria o seguinte, hoje, é muito difícil quando se fala de ciência política, é difícil não recorrer a novas tecnologias, de fato a terminologia política do moderno, quando eu digo moderno, digo, o pensamento que se desenvolveu entre 1500 a 1900, quando nos referíamos a categorias elaboradas nesse período, nós temos conceitos que devem ser mencionados como: soberania, estado-nação, imperialismo, coronelismo, cidadania, sujeito-político, enfim, conceito interpretados; a maneira como foram interpretados pelo moderno hoje significa muito pouco. Soberania era um conceito que tinha um caráter absoluto, estado-soberano, estado-nação soberano, era um estado que se colocava com uma independência quase absoluta em relação à capacidade de fazer guerra, ele podia cunhar moeda de maneira independente, ele podia construir culturas de uma forma que estava de fora de qualquer tipo informação ou comunicação predominantes no mundo. Hoje, todos estes elementos são cada vez menos importantes na definição das categorias políticas. Nós vivemos dentro de um mundo global, dentro de um mundo no qual com todas as diferenças em processos de unificação, processos de homogeneização, eles se tornam cada vez mais importante nestes processos.
O que me interessa destacar aqui é o fato que é o sujeito político que se torna diferente nesta situação, o sujeito político se torna diferente porque ele se transforma pelo menos segundo três elementos. O sujeito-político é transformado por uma nova forma de conhecimento que o envolve e pelo fato dele estar inserido num processo de trabalho cooperativo. Quando digo isso, não quer dizer que o trabalhador esteja sempre num grau elevado de intelectualidade e cooperatividade. Digo simplesmente, que os processos de valorização da produção, hoje em dia, são dominados por estes tipos de trabalhadores e que não há valorização efetiva a não ser assim. O segundo elemento que caracteriza a modificação do sujeito consistem no fato de que este sujeito é colocado numa nova temporalidade. A temporalidade que conhecemos – pelo menos no meu caso que já sou bastante velho – eu vivi a época do trabalho fordista, trabalho taylorista. Essa temporalidade era caracterizada por uma extensão temporal da jornada de trabalho. Entrava as 6h saia as 14h da fábrica, depois de 14h as 22h havia outro turno, de 22h as 6h da manhã. A jornada de trabalho era nas cidades, como por exemplo, na cidade da minha infância em Torino, perto de Veneza, a jornada era caracterizada assim, a vivacidade da vida passava pelas horas dos turnos dos operários, hoje tudo isso mudou totalmente. Vivemos em um tempo unificado, um tempo disperso, um tempo no qual a jornada de trabalho clássica não é a medida da temporalidade, a medida da temporalidade modificou completamente. Além disso, nós vivemos uma situação em que o espaço se modificou completamente, o espaço de trabalho, espaço de atividade se transformou num espaço de inter-relações contínuas. Há uma dimensão ontológica diferente, por isso nós dizemos, por exemplo, que hoje a vida de trabalho se modificou não se trata mais apenas de uma vida de trabalho que é ritmada por alguns ritmos fixos do tempo, do espaço e da produção. É uma vida que tem extensão coordenada, regulada de alguma forma por uma espécie de imersão em um fluxo contínuo que é um fluxo que nós chamamos de biopolítico, por que biopolítico? Biopolítico porque isso implica efetivamente a vida, implica formas de vida, duas que são conseqüências das outras, ligadas umas as outras, porque a estrutura social e política entram como elemento fundamental na vida de cada pessoa, de cada homem. Porque não é mais possível distinguir como se fazia na velha tradição marxista, o valor de uso do valor de troca. Porque estamos totalmente dentro da capitalização e por tanto da exploração da vida. Não existe um espaço natural no qual se refugiar. Talvez no Brasil? Não sei, mas seria uma coisa única no mundo. Para todos os outros seres humanos existe essa imersão nesse regime de vida, ou melhor, de subsunção da sociedade e da totalidade do trabalho dentro do capital. Dessa subsunção total em relação a qual e justamente a que surge o problema se trata de entender o que é isso, o que é hoje a vida? Ainda existe a possibilidade que isso aconteça de maneira diferente? Por tanto este é o grande problema que é colocado pelo lugar, pela brecha, pelas diferenças do moderno e do pós-moderno.
O moderno era o mundo que nos herdamos e superamos. Nós estamos vivendo outra situação, estamos imersos em outra vida, em outra razão. Essa é a situação na qual nossa problemática deve ser proposta. Quais são as categorias que nos permitem fazer uma leitura dessa nova realidade? Dizemos que são as categorias são multidão, comum e singularidade. Quando falamos multidão, falamos do conjunto, de uma soma, um conjunto é melhor do que uma soma, de singularidades cooperantes. O fato de que a multidão possa ser definida como o conjunto de singularidades cooperantes, quer dizer, são singularidades que se apresentam na multidão e como uma rede, como um conjunto que é definido, que defini as singularidades e suas relações umas com as outras.
Esse fato levanta problemas, é preciso esclarecer o que são essas singularidades que se movem dessa maneira, que se colocam nessa relação. Vamos dizer que a primeira característica que aparece nessa situação é, provavelmente, definida pelo fato de que não estamos diante de individualidades e sim diante de singularidades. Individualidade significa algo que está inserido numa realidade substancial, algo que tem uma alma, uma consistência, por assim dizer, por separação em relação à totalidade, em relação ao conjunto. É algo que tem uma potência centrípeta.
O conceito de indivíduo é de fato que é colocado a partir da transcendência. A relação não é entre eu, você e ele; é a relação do indivíduo com uma realidade transcendente, absoluta e dá a essa pessoa uma entidade, uma consistência de uma entidade irredutível.
A multidão não é assim, nós vivemos uns com os outros, a multidão é o reconhecimento do outro, a singularidade é o homem que vive na relação com o outro, que se defini na relação com o outro. Sem o outro não existe por si mesmo. Estão entendendo o que eu quero dizer a respeito do comum? Buscar o comum não significa procurar realidades pressupostas, consistentes, o velho conceito comunidade profunda (gemeinschaft tief), o velho conceito de terra, natureza. Vocês sabem como são horrível e perversa as concepções que podem vir dessa identidade, vocês sabem perfeitamente como, inclusive num país como o Brasil; onde funções mais os conceitos de poder e de raça se unificaram profundamente para criar diferenças sociais que hoje em dia já se tornaram hereditárias, pesadas, difíceis de superar. São coisas que negam a democracia e negam a própria possibilidade da utopia, que inclusive é contra essas coisas, que existe esse terreno teórico de representação, mas cada terreno deve se seguir uma capacidade pratica de ação.
Se nós considerarmos que esse mundo é feito de singularidades que existem em relações, portanto que existem à medida que estão em relações, assim, nós aumentamos a nossa capacidade. Aqui o ministro falou de amor então, mas não é amor no sentido romântico, não é amor no sentido vinculado simplesmente ao erotismo, ao casal, a individualidade, não. O amor como força ontológico, o amor como dizia Spinoza, como diziam os filósofos, como ultimamente até tem falado a Teologia da Libertação, uma das grandes produções teóricas deste país. Esse amor que constitui o ser, um laço de solidariedade, mas isso não é identitário, isso existe na relação, na dignidade isso é absolutamente fundamental porque e permite nos colocarmos numa situação que é de efetiva abertura da discussão.
O que é realmente importante não é fazer discursos filosóficos, retóricos e tudo, como eu estou fazendo aqui, agora, como muitas vezes fazemos. Já estamos todos convencidos e nos convencemos mais um pouco. O problema é outro, é vermos se por trás disso existe uma realidade real, por assim dizer. Porque é tão importante o acordo que foi feito em relação ao qual eu me coloco? É um trabalho cognitivo, a multidão, o comum, isso nasce dessa situação. Uma nova realidade fantástica, nessa realidade algumas destas características que até agora chamamos de retóricas se tornam reais. Tornam-se reais por quê? Tornam-se reais porque na análise do trabalho, na análise das condições fundamentais do trabalho informático, do trabalho intelectual, aplicados as redes de telemarketing etc., que nós encontramos essas características de ser singularidade em uma relação que se tornam reais e produtivas. E encontramos a relação entre singularidade e cooperação se torna fundamental.
Hoje, na discussão que eu ouvi em parte, uma pessoa falava dessa experiência de hacker, eu quero só apresentar isso como exemplo, retomando alguns elementos. Quero retomar algumas coisas que foram ditas hoje por essa pessoa. Vamos ver com base em um testemunho, eu quero ver alguns destes elementos importantes para a qualificação do que hoje é a condição geral da consciência do trabalho.
Os hackers não são crackers, não são aqueles que simplesmente rompem, quebram, aqueles que produzem vírus, entram no sistema, os hackers são operadores verdadeiros de redes. O que me importa destacar em primeiro lugar são algumas características que tem haver com a pratica do trabalho deles e que fazem parte da sua ética, além de fazer parte do trabalho, pelo menos como eles declaram, quer dizer, o que me parece conforme, conforme que eles falam sobre essa sua pratica nova de trabalho. Eu acho que esses hackers exprimem, antes de qualquer coisa, uma relação com o trabalho que não se baseia mais no dever e sim na paixão intelectual por uma determinada atividade. É uma paixão que é alimentada pela referência a uma coletividade de iguais, é a questão da comunicação na rede.
São vários autores que procuraram explicar essa estética hacker eles insistem em pensar que o espírito hacker consiste em recusar a idéia de obediência, de sacrifício e de dever que sempre foram associadas à ética individualista, a ética protestante do trabalho. Eles substituem essa ética não de maneira egoísta, ao contrário, por um novo valor que eles deram ou que dão ao trabalho e que é tanto mais alto quanto mais paixão ao trabalho como vou citar: paixão, aderência, interesse e continuidade. Essa maneira de pensar o trabalho uniu, fundamentalmente, e de maneira indissociável o prazer intelectual a força pragmática e o compromisso social que isso produz.
No modo de produção ou produções que é uma invenção dos hackers e que por sorte, também, é exportável pode ir além da pratica hacker, não restrita, é um projeto que pode ser retomado por outros. Ele se torna imediatamente comunicativo e quando nós estamos diante do software livre e dessa fonte aberta, esses software são produtos de colaboração voluntária, aberta, auto organizada, este programadores estão espalhados pelo mundo inteiro e ligados em redes e produzem programas abertos e modificáveis por usuários locais que sempre se supõe como competentes iguais. Quando o Linux nasce é uma coisa genial que é imediatamente comunicada colocada em circulação. É a paixão intelectual pelos problemas mais difíceis que essa nova situação cria continuamente. Eu sou spinoziano, me declaro spinoziano com prazer. E se nós quisermos pensar neste tipo de ética, nós a encontramos inteiramente em Spinoza. Quer dizer, a mente hacker se desenvolve dentro desse ambiente informático, dessa maneira informática de conhecer; paixão, imaginação, intelecto, tudo juntos, unidos. Essa atividade cria uma nova forma de razão, não mais a abstrata, que teve essa função revolucionária fantástica, que todos nós, pudemos apreciar não só na história, mas também em períodos da nossa própria vida, mas algo que conecta imediatamente o saber a pratica, a imaginação e o social, ou seja, reuni tudo isso, que é a cooperação.
Não se trata simplesmente nesse caso de aprender a usar máquinas, mas trata-se sobre tudo de fazer passar através dessas máquinas essa construção social. É uma construção horizontal, mas sempre criativa. A interdependência nessas relações é absoltamente fundamental, não há verdade que não seja interdependente, que não seja conectada, que não nasça junto, portanto, o sentido comum nessa massa de ações que cria a consistência; é esse sentido que cria a consistência do trabalho hoje; quando se apresenta esse exemplo hoje, é o exemplo que diz respeito a todo o trabalho, claro, que a informática é uma coisa restrita em si, mas esse modo de trabalhar, não simplesmente porque trabalham nesse tipo de máquina, esse modo de trabalhar se torna cada vez mais necessário para viver e para produzir, ou seja, singularidade e cooperação tornam-se fundamentais na construção, de seja qual for o bem, de qualquer mercadoria, seja ela qual for de qualquer produto que seja.
Hoje o trabalho, conduzido assim, nessa ordem representa cada vez mais um excedente. O que quer dizer isso? Quer dizer que essa atividade singular, inventiva e social que é introduzida dentro do mecanismo de trabalho é algo que não é consumido. A força de trabalho do operário depois das 8h acabou, fecha. O trabalhador intelectual continua a produzir. Dentro desta continuidade existe uma possibilidade de exploração crescente, que vai além das 8h, mas o problema não está aí, o problema é a capacidade é uma espécie independência irredutível a medida capitalista da exploração.
Não é que o desenvolvimento capitalista hoje possa ser medido especialmente por esse tipo de excedente, por esse tipo de nova energia construtiva que está em jogo, não é uma fórmula para explicar as direções das tentativas do capitalismo para dominar esse tipo de realidade passa pela financeirização internacional dos processos produtivos, passa pelas grandes forças globais de controle, é evidente que as coisas estão nestes termos, mas também é evidente que dentro desse tipo de controle tem algo que falta, falta uma coisa , que dizer falta a capacidade de amarrar a potência do processo de singularização, do processo de invenção. Quando se houve falar do processo de singularização, de invenção fala-se evidentemente de resistência.
O desenvolvimento capitalista clássico, fordista, não é verdade que ele simplesmente, faça reprodução dos processos produtivos. Todo mundo que já trabalhou numa fábrica, ou que criou lutas num sistema fordista, sabe perfeitamente que sem a inteligência operária, sem o saber operário profissional essas fábricas tão perfeitas como cadeias de produção nunca teriam funcionado. Sempre a capacidade operária de inventar, de aperfeiçoar as relações, era essa capacidade que fazia andar ou empacar o processo de trabalho na fábrica. Mas hoje, essa força do trabalho vivo é infinitamente mais caracterizada, é a força ascendente e de fato ela está ali, existe essa capacidade de auto-valorização efetiva, auto-valorização, desenvolvimento puro e simples, é a constituição das redes de forma independente e livre.
A Microsoft aterrorizou, ele fez um antagonismo interno neste processo e não externo. Mas eles dizem: “contra o que você luta?” Luto contra ninguém, luto para construir a essa realidade e assim o inimigo se identifica, essa é a situação que nós vivemos que nós encontramos. É evidente que agora temos todo o resto que está fora, é todo o resto, mas não é irrelevante a propriedade privada, a propriedade pública. Essas novas formas de propriedade flutuantes em torno da rede a nível internacional, as capacidades que as grandes empresas têm de criar o seu mercado e com uma força e uma capacidade de intervir nesse mercado que elas criaram, nessa ordem mercantil jurídica que criaram, elas dando a garantia da ordem, as culpas, às penalidades, as exclusões etc. São formas que são sempre interessantes porque elas aludem ao comum.
Marx quando se viu diante da construção da sociedade por ações, ou seja, a divisão da sociedade em varias cotas que contribuíam para a construção para ampliação do capital das empresas ele falou de socialismo no capital, hoje, nós as vezes, estamos diante de fenômenos parecidos da enorme cúpula financeira, será que nós temos que falar de comunismo no capital? É o comunismo do capital que de fato, parte muitas vezes mais capazes, com mais vorazes e recolhem os fundos de pensões, por exemplo. Reúnem todo esse dinheiro em potências espantosas. Isso entre parênteses, antes estavam me dizendo aqui, eu não sei se era ironia ao não, mas me disseram que eu defendo o governo Lula, mas de fato, do contraste da presença de Lula com o FMI foi um avanço grande, ele ajudou a consolidar a moeda e este foi um dos méritos enormes da história mundial recentes e agora fecho parênteses. Diante desta situação, evidentemente, nós estamos diante de uma ação efetiva contínua de esmagamento desta nova energia suas formas que expressam este excedente generalizado.
E o que se tornou o conceito de propriedade privada? Agora ele se tornou um obstáculo, um obstáculo claro, preciso, contínuo a expressão, esta expressão deste excedente, expressão do prazer de trabalhar, foi isso que se tornou a propriedade privada. Também temos que estar muito atentos, a propriedade pública também não é muito melhor. A propriedade pública está sempre com o capital no armário, precisa de capital, vamos ali e a propriedade pública vai lá e age assim. O que é uma propriedade comum? A propriedade comum do ponto de vista jurídico, infelizmente, é facílima de definir, é uma propriedade pública que invés de ter patrões públicos ou donos públicos, ou coisas assim, é de sujeitos ativos naquele setor, naquela realidade, administrada por eles; a propriedade comum é isso, é esse ato, essas atividades através do qual, sujeitos administram ou gerem, por exemplo, as redes de transportes urbanos é deles, porque é comum, porque o comum se tornou ou é reconhecido como uma condição para a vida, para a biopolítica.
O que significa uma metrópole sem transporte, por exemplo? Nada. O transporte urbano, inclusive nas cidades metropolitanas, é o transporte urbano que dá a dignidade, a possibilidade de circular rapidamente neste espaço. Espaço da comunicação informática e telemática que dá a propriedade comum. Propriedade comum que não passa simplesmente pelo Estado. Passa pelo exercício que as singularidades fazem deste espaço comum, a maneira de exercer este espaço comum. Não é uma coisa de etapas, primeiro fizemos isto, depois fizemos aquilo como durante muito tempo ensinaram algumas dogmáticas socialistas, primeiro fazemos isso e depois aquilo, aquilo outro só será possível depois que fizermos aquela outra coisa. Não é verdade, trata-se se por em movimento tudo junto. Por tanto, para a lei da coisa pública, a definição do comum é esta, aquela que pode fazer agir dentro da publicidade, do caráter público a construção de espaços comuns e reais, espaços comuns que são estruturas comuns. Fazer agir nestes espaços à vontade, a decisão, o desejo e a capacidade de transformação das singularidades.
Essa é uma das coisas que mais condicionou a minha vida, condicionou meu pensamento. Eu fico pasmo e fui conquistado por uma greve num inverno de Paris, de 1995 para 1996, era uma greve, inicialmente, de defesa corporativa, era de serviços público, funcionários do metrô e dos transportes de superfície. Em pouquíssimo tempo se transformou numa enorme luta que durou cerca de 3 meses, era uma greve de luta metropolitana para proibir a privatização deste serviços para defender de maneira geral o que esse serviço representava para o cidadão de Paris. O poder fez de tudo, é claro, para intervir.
Fizeram greve de usuários, coisas que estão nos manuais de ciência política, quando há uma greve assim os usuários se organizam, mas não conseguiram nada, foi na neve, 8 milhões de parisienses se deslocavam, iam com carros particulares que paravam nas paradas de ônibus ou paradas das estação do metrô, paravam o carro, abriam a porta e ofereciam carona para 4 ou 5 pessoas e levava essas pessoas onde precisavam ir. Isso avançou durante 3 meses, isso é o comum. É essa participação, essa capacidade de assumir com nas próprias mãos as condições biopolíticas da própria existência, do próprio modo de trabalhar, essa é a indicação que para mim, teve uma importância enorme na minha experiência, mas também é fundamental tirar as conseqüências disto, uma espécie de pequena filosofia do comum. Esse comum, como já se disse, esta articulado, no sentido amplo da palavra com o movimento e a comunicação das singularidades. Não existe um comum que possa ser referido a elementos orgânicos, a elementos identitários. O comum é sempre construído pelo reconhecimento do outro, por uma relação com o outro que se movimenta ou se desenvolve nessa realidade. Às vezes chamamos essa realidade de multidão, não é, é uma bela diferença, que quando se fala de todos, de toda uma série de elementos que estão objetivamente ali, que constituem o comum, mas o problema não e simplesmente ser comuns, ser multidão. O problema é fazer multidão, é construir multidão, construir comum, construir em comum, essa passagem é cada vez mais fundamental.
Terceiro ponto eu vou me referir rapidamente, porque falta pouco tempo, quais são os temos políticos fundamentais que servem para essa introdução geral para construir o comum? Alguns temas são absolutamente fundamentais, o primeiro deles é uma crítica a umas das mais caras das nossas tradições que é a de tomada do poder, uma vez que estamos no terreno do comum, precisamos que não existe homologia possível entre o poder, assim como ele é e aquilo que o comum é. O poder é uma unificação para cima, é sempre restritiva, sempre englobadora, mistificadora e destrutiva das singularidades e das capacidades de determinar a renovação através desta continua construção singular do comum. Portanto, como é possível imaginar um processo revolucionário que não seja voltado de maneira paranóica para a tomada do poder, mas que seja organizado de maneira criativa para uma gestão do comum, o exercício do comum.
Desse ponto de vista, também, eu acho que tem implicações importantes nestes últimos anos nos movimentos que nasceram em Seattle, inclusive nas experiências dos Zapatistas e outras. É a idéia, por exemplo, de se considerar as estruturas de governo, onde as forças de esquerda tomaram essas estruturas, considerá-las como espaço aberto, dentro do qual deve continuamente pressionar cada vez mais ao governo, se transformar em governança, mas uma governança que não fosse uma forma de administração não atenta as diversidades e capaz de desenvolver toda questão de ponto a ponto de forma paternalista ou funcional os problemas, mas sim contradições abertas e que tem que ficar abertos para construir sempre de forma bem aberta.
Essa relação entre governos e movimentos, pode dizer claramente, que está em crise, mas isso viveu momento de aberturas e idéias, nesses casos o problema não era tanto de tomada de poder, não vamos ser hipócritas, mas dá tomada de poder, através da gestão do comum. Uma valorização que se torna capacidade de influenciar as redes administrativas, começando a abri-las a insistir nessa abertura, a meu ver isso é uma idéia da construção do comum, a maneira, a meu ver, que vamos conseguir determinar algumas aberturas novas é essa.
Estou convencido que tanto quanto o processo político alternativo, alter-mundista está em dificuldade, de agora em diante problemas sociais novos, problemas vinculados a nova forma de trabalho, as conseqüências, a precarização geral, as novas visões sociais, o aumento da miséria e da pobreza, isso vai tornar a ser problema fundamental. Hoje já está se abrindo um novo ciclo social de lutas e esse ciclo social de lutas, muito provavelmente, terá as provas características e toda uma série de forças que ainda estão repetindo velhos dogmas.